quarta-feira, 8 de setembro de 2010

Ami - O menino das estrelas - 1ª parte, cap 1, 2 ,3 e 4


É difícil aos dez anos de idade escrever um livro. Nesta idade ninguém entende muito de literatura... nem se interessa demais; mas eu vou ter que fazer isso, porque Ami disse que se eu o quisesse ver novamente deveria relatar em um livro o que eu vivi a seu lado.

Ele me advertiu que entre os adultos, muito poucos me entenderiam, porque para eles era mais fácil acreditar no terrível do que no maravilhoso.

Para evitar problemas ele me recomendou que dissesse que tudo era uma fantasia, uma história para crianças.

Eu vou obedecer-lhe ISTO É UMA HISTÓRIA.

Advertência
(destinada somente para adultos)

Não continue lendo, você não vai gostar, daqui em diante é maravilhoso

Destinado às crianças de qualquer nação desta redonda e bela pátria,
esses futuros herdeiros e construtores de uma nova Terra sem divisões entre irmãos.

Primeira Parte

Capítulo 1 - O primeiro encontro

Tudo começou numa tarde do verão passado, numa praia que vou quase todos os anos com a minha avó.

Desta vez conseguimos uma casinha de madeira. Havia muitos pinheiros e boldos do Chile no quintal e, na frente, um jardim cheio de flores. Estava perto do mar, num caminho que leva até a praia.

Iam ficando poucas pessoas porque o verão já estava terminando. Minha avó gosta de tirar férias nos primeiros dias de março; ela diz que é mais tranquilo e mais barato.

Começou a escurecer; eu estava sentado numas pedras altas perto de uma praia solitária, contemplando o mar. De repente, vi no céu uma luz vermelha em cima de mim. Pensei que eram fogos de artifício, desses que se soltam no ano novo. Vinha descendo, mudando de cores e largando faíscas. Quando chegou mais perto percebi que não eram fogos de artifício, porque ao crescer chegou a ter o tamanho de um ultraleve ou até maior...

Caiu no mar a uns cinquenta metros da beira, na minha frente, sem fazer nenhum barulho. Pensei que tinha sido testemunha de um acidente aéreo. Olhei procurando algum paraquedista no céu, não encontrei nenhum. Nada alterava o silêncio e a tranquilidade da praia.

Tive muito medo e senti vontade de sair correndo para contar à minha vovó; mas esperei um pouco para ver se via alguma outra coisa. Quando já estava indo embora, apareceu alguma coisa branca boiando no ponto onde eu tinha visto cair o avião, ou o que quer que fosse: alguem vinha nadando para as pedras. Imaginei que era o piloto, que tinha conseguido se salvar do acidente. Esperei que se aproximasse, para tentar ajuda-lo.

Como nadava com agilidade, compreendi que não estava ferido.

Quando chegou mais perto, percebi que se tratava de um menino. Chegou até as pedras e antes de começar a subir me olhou amigavelmente. Pensei que ele estava contente por ter se salvado; a situação não parecia dramática para ele, e isso me acalmou um pouco. Veio até onde eu estava, sacudiu a água dos cabelos e sorriu; aí eu me tranquilizei definitivamente; ele tinha cara de ser um menino bom. Sentou-se ao meu lado, suspirou com resignação e ficou olhando as estrelas que começavam a brilhar no céu.

Parecia mais ou menos da minha idade, um pouco menor e mais baixinho; usava uma espécie de uniforme branco como de piloto, feito com algum material impermeável, pois não estava molhada; sua roupa terminava com um par de botas brancas com solas grossas. Levava ao peito um escudo dourado: um coração alado dentro de um círculo.

Seu cinto, também dourado, tinha de cada lado algo parecido a rádios portáteis, e no centro, uma grande fivela muito bonita.

Sentei-me a seu lado. Ficamos um momento em silêncio; como ele não dizia nada, perguntei o que tinha acontecido.

- Uma aterrizagem forçada – respondeu, rindo.

Era simpático, e como tinha um sotaque bastante estranho, imaginei que viesse de outro país no avião. Seus olhos eram grandes e bondosos.

- Que aconteceu com o piloto? – perguntei. Como ele era um menino, achei que o piloto devia ser uma pessoa adulta.

- Nada. Ele está aqui, sentado com você – respondeu.

- Ah! – fiquei maravilhado. Esse menino era um prodígio! Na minha idade já dirigia avião! Imaginei que seus pais fossem ricos.

Foi ficando noite e tive frio. Ele percebeu, pois me perguntou:

- Você está com frio?

- Estou.

- A temperatura é agradável – disse-me, sorrindo. Senti que realmente não estava fazendo frio.

- É verdade – respondi.

Depois de alguns minutos perguntei o que ele ia fazer.

- Realizar a missão – respondeu, sem deixar de olhar para o céu.

Pensei que estava diante de um menino importante, não como eu, um simples estudante em férias. Ele tinha uma missão... talvez algo secreto... Não me atrevi a perguntar de que se tratava.

- Não lhe dá pena ter perdido o avião?

- Não se perdeu – respondeu, deixando-me sem compreender.

- Não se destruiu por completo?

- Não.

- Como você vai tira-lo da água para consertar... ou não vai poder?

- Oh! sim, vou poder tira-lo da água. Observando-me com simpatia perguntou: como você se chama?

- Pedro – respondi, mas eu começava a não gostar disso: ele não respondia a minha pergunta. Parece que ele percebeu meu desagrado e achou graça.

- Não se zangue, Pedrinho, não se zangue... Quanto anos você tem?

- Dez... quase. E você?

Riu com suavidade, com o riso de um nenen quando a gente faz cócegas nele. Senti que ele estava querendo se mostrar mais importante do que eu, porque ele dirigia avião e eu não; isso não me agradava. Contudo, ele era simpático, agradável, e eu não consegui me zangar realmente com ele.

- Tenho mais anos do que você seria capaz de acreditar – respondeu, sorrindo. Tirou do seu cinto uma espécie de calculadora de bolso, que ele ligou e onde apareceu uns sinais desconhecidos para mim. Fez cálculos e quando viu a resposta me disse sorrindo:

- Não, não... se eu disser você não vai acreditar...

Ficou noite e apareceu uma bela lua cheia que iluminava a praia toda. Olhei para o seu rosto com atenção. Ele não podia ter mais que uns oito anos, e apesar disso já era piloto de avião... Será que era mais velho?... Não seria um anão?

- Você acredita nos extraterrestres? – perguntou-me para surpresa minha. Demorei um bom tempo em responder. Ele me observava com os olhos cheios de luz, dando a impressão que as estrelas da noite se refletiam nas suas pupilas. Era realmente muito bonito para ser normal. Lembrei do avião em chamas, sua aparição, sua calculadora com estranhos sinais, seu sotaque, sua roupa... além disso, era um menino, e nós, meninos, não pilotamos aviões...

- Você é um extraterrestre? – perguntei, com um pouco de medo.

- E se fosse... Você teria medo?

Foi então que eu soube que ele vinha, mesmo, de outro planeta.

Fiquei um pouco assustado, mas seu olhar estava cheio de bondade.

- Você é malvado? – perguntei, um pouco tímido. Ele deu risada, divertido.

- Quem sabe você é até um pouco mais malvadinho do que eu...

- Por que?

- Porque você é um terrícola.

- Você é de verdade um extraterrestre?

- Não precisa se assustar – consolou-me sorrindo e apontou para as estrelas enquanto dizia: este universo está cheio de vida... milhões e milhões de planetas são habitados... tem muita gente boa ali em cima...

Suas palavras produziam um estranho efeito em mim. Quando ele dizia essas coisas eu podia “ver” esses milhões de mundos habitados por pessoas bondosas. Perdi o medo. Decidi aceitar sem me surpreender que ele era de outro planeta. Parecia amigável e inofensivo.

- Por que você diz que os terrícolas são malvados? – perguntei. Ele continuou olhando para o céu e disse:

- Que belo é ver-se o firmamento daqui da Terra... Esta atmosfera lhe dá um brilho... uma cor...

Não estava me respondendo outra vez. Novamente me aborreci; além disso eu não gosto que pensem que eu sou malvado, não sou mesmo, ao contrário: queria ser explorador quando fosse grande e caçar gente malvada nos momentos livres...

- Lá nas Plêiades, há uma civilização maravilhosa...

- Não somos todos malvados aqui...

- Veja essa estrela... ela era assim há um milhão de anos... já não existe...

- Eu disse que não somos todos malvados aqui. Por que você disse que todos os terrícolas são malvados? Ein?

- Não foi isso o que eu disse – respondeu sem deixar de olhar ao céu; seu olhar brilhava - É um milagre...

- Você disse!

Como levantei a voz, consegui tirá-lo dos seus sonhos; estava igual a uma prima minha quando fica olhando a foto de seu cantor preferido; ela está louquinha por ele.

Olhou-me com atenção; não parecia estar zangado comigo.

- Quis dizer que os terrícolas não são tão bons como os habitantes de outros mundos do espaço.

- Está vendo? Você está dizendo que somos os mais malvados do Universo.

Ele riu de novo e me acariciou os cabelos.

- Também não foi isso o que eu quis dizer.

Aí eu não gostei nada. Puxei a cabeça para trás. Se tem algo que eu não gosto é de que me tratem como um bobo, porque sou um dos primeiros da minha turma, além disso vou fazer DEZ ANOS.

- Se este planeta é tão ruim, o que é que você está fazendo aqui?

- Você já reparou como a lua se reflete no mar?

Ele continuava a me ignorar e a mudar de assunto.

- Você disse para reparar no reflexo da lua?

- Talvez... Você já percebeu que nós estamos flutuando no universo?

Quando ele disse isso, achei que tinha entendido a verdade: esse menino estava louco. Claro! Pensava que era um extraterrestre, por isso dizia coisas tão estranhas. Eu quis voltar para casa, de novo me sentia mal, mas agora, por ter acreditado em suas histórias fantásticas. Ele estava caçoando de mim... extraterrestre... e eu acreditei! Senti vergonha, raiva de mim mesmo e dele. Tive vontade de dar-lhe um murro no nariz.

- Por quê? O meu nariz é muito feio?

Fiquei paralisado. Tive medo. Ele tinha lido o meu pensamento! Olhei para ele. Sorria vitorioso. Não quis me render, preferi pensar que isso foi por pura casualidade, uma coincidência entre o que eu pensei e o que ele disse. Não demonstrei surpresa, quem sabe era verdade, mas eu tinha que comprovar... talvez estivesse diante de um ser de outro mundo, um extraterrestre que podia ler o pensamento.

Decidi colocá-lo à prova.

- Que estou pensando agora? – disse isso e fiquei pensando num bolo de aniversário.

- Não são suficientes as provas que você já tem? – perguntou. Mas eu não estava disposto a ceder nem um milímetro.

- Que provas?

Esticou as pernas e apoiou os cotovelos nas pedras.

- Veja, Pedrinho, existem outros tipos de realidades, outros mundos mais sutis, com portas sutis para inteligências sutis...

- Que significa sutis?

- Com quantas velinhas?... – disse sorrindo.

Foi como um soco no estômago. Tive vontade de chorar, senti-me tonto e fraco. Pedi que me desculpasse, mas ele não se incomodou por aquilo, não prestou atenção e deu risada.

Decidi não duvidar mais dele.

Capítulo 2 - Pedrinho voador

- Venha, fique na minha casa – ofereci, pois já era tarde.

- Melhor não incluirmos adultos na nossa amizade – disse, franzindo o nariz enquanto sorria.

- Mas eu tenho que ir...

- Sua avó dorme profundamente, não vai sentir sua falta se a gente conversar um pouco.

De novo senti surpresa e admiração. Como é que ele sabia da minha avó?... Lembrei que ele era um extraterrestre.

- Você pode ver a vovó?

- Da minha nave vi que ela já estava quase dormindo – respondeu com malícia. Depois, exclamou entusiasmado:

- Vamos passear pela praia! Levantou-se e deu um salto, correu até a beira da pedra que era altíssima e se lançou à areia.

Descia lentamente, planando como uma gaivota!

Lembrei que não devia surpeender-me demais por nada que viesse daquele alegre menino das estrelas.

Desci da pedra como pudi, com muito cuidado.

- Como você faz? – perguntei, referindo-me a seu incrível planar.

- Sinto-me como uma ave – respondeu, e saiu correndo alegremente entre o mar e a areia, sem ter motivo especial para fazer isso. Teria gostado de poder atuar como ele, mas não podia.

- Claro que pode!

Outra vez tinha captado meu pensamento. Vei até mim tentando me animar e disse: Vamos correr e saltar como pássaros! Então me deu a mão e senti uma grande energia. Começamos a correr pela praia.

- Agora... vamos saltar!

Ele conseguia se elevar muito mais do que eu e me impulsava para cima com sua mão. Parecia que se suspendia no ar por instantes. Continuávamos correndo e de trecho em trecho saltávamos.

- Somos aves, somos aves! – embriagava-me e animava. Pouco a pouco fui deixando meu pensamento habitual, fui me transformando, já não era o mesmo menino de todos os dias. Animado pelo extraterrestre fui decidindo ser leve, como uma pluma, estava pouco a pouco aceitando a ser uma ave.

- Agora... pule!

Realmente, começávamos a nos manter no ar durante alguns instantes. Caíamos suavemente e continuávamos correndo, para depois novamente elevar-nos. Cada vez era melhor, isso me surpreendia...

- Não se surpreenda... você pode... agora!

Em cada tentativa era mais fácil conseguir. Corríamos e saltávamos como em câmara lenta, pela beira da praia, numa noite de lua e cheia de estrelas... Parecia outra maneira de existir, outro mundo.

- Com amor pelo vôo! – animava-me. Um pouco mais adiante soltou minha mão.

- Você pode, claro que pode! – olhava-me, transmitindo-me confiança enquanto corria ao meu lado.

- Agora! – elevamo-nos lentamente, mantínhamo-nos no ar e começávamos a cair como se planássemos, com os braços abertos.

- Bravo, bravo! – felicitava-me.

Não sei quanto tempo brincamos nessa noite. Para mim foi como um sonho.

Quando me cansei, joguei-me na areia, ofegante e rindo feliz. Tinha sido fabuloso, uma experiência inesquecível.

Não disse nada a ele, mas por dentro agradeci ao meu estranho amiguinho por ter me permitido realizar coisas que eu pensava fossem impossíveis. Ainda não sabia todas as surpresas que me esperavam naquela noite...

As luzes de um balneáreo brilhavam do outro lado da baía. Meu amigo contemplava com deleite os movediços reflexos sobre as águas noturnas, extasiado, deitado na areia banhada pela claridadeda lua, depois enchia-se de júbilo olhando a lua cheia.

- Que maravilha... ela não cai! – ria- Este seu planeta é muito lindo!

Nunca tinha pensado nisso, mas agora, ao ouvi-lo... sim, era lindo ter estrelas, mar, praia e uma lua tão bonita ali pendurada... e além do mais, não caia...

- O seu planeta não é bonito? – perguntei. Suspirou profundamente olhando para um ponto do céu, a nossa direita.

- Oh, sim, também é, mas todos nós sabemos isso... e cuidamos dele...

Lembrei que ele tinha insinuado que os terrícolas não são muito bons. Pensei que tinha compreendido umas das razões: nós não valorizamos nem cuidamos do nosso planeta; eles sim, preocupam-se com o deles; eles sim cuidam do deles.

- Como você se chama?

Achou engraçada minha pergunta.

- Não posso lhe dizer.

- Por que... é um segredo?

- Que nada; não existem segredos! Somente que não existem em seu idioma esses sons.

- Que sons?

- Os do meu nome.

Isso me surpreendeu, porque eu tinha pensado que ele falava meu idioma, apenas com outro sotaque.

- Então, como você aprendeu a falar a minha língua?

Nem a falo, nem a compreendo... Somente tenho isto – respondeu, divertido, enquanto pegava um aparelho do seu cinto.

Isto é um “tradutor”. Esta caixinha explora o seu cérebro na velocidade da luz e me transmite o que você quer dizer, assim eu posso compreender, e quando vou dizer alguma coisa ela me faz mover os lábios e a língua como você o faria... bom... quase como você. Nada é perfeito.

Guardou o “tradutor” e ficou contemplando o mar, enquanto segurava os joelhos, sentado na areia.

- Então, como posso chamá-lo? – perguntei.

- Você pode me chamar “Amigo”, porque é isso o que eu sou: um amigo de todos.

- Vou chama-lo “Ami”. É mais curto e parece um nome. – ele gostou do seu apelido novo.

- É perfeito, Pedrinho! – demos um aperto de mãos. Senti que selava uma nova e grande amizade. E assim seria...

- Como se chama o seu planeta?

- Puf!... também não dá. Não existe equivalência dos sons, mas está por ali, apontou sorrindo para umas estrelas.

Enquanto Ami observava o céu, eu fiquei pensando nos filmes de invasores extraterrestres que tinha visto tantas vezes pela televisão.

- Quando vão nos invadir?

Achou engraçada a minha pergunta.

- Por que você pensa que nós vamos invadir a Terra?

- Não sei... nos filmes, todos os extraterrestres invadem a Terra... ou quase todos...

Desta vez sua risada foi tão alegre que me contagiou. Depois tentei me justificar:

- ... É que na televisão...

- Claro, a televisão!... Vamos ver uma de invasores – disse, entusiasmado, enquanto da fivela de seu cinto tirava outro aparelho. Apertou um botão e apareceu uma tela acesa. Era uma pequena televisão em cores, sumamente nítida. Mudava os canais rapidamente. O mais surpreendente era que nessa região só se podiam sintonizar dois canais, mas no aparelho ia aparecendo uma infinidade: filmes, programas ao vivo, noticiários, comerciais, tudo em diferentes idiomas e por pessoas de diversas nacionalidades.

- Os de invasores são ridículos – dizia Ami.

- Quantos canais você pode sintonizar aí?

- Todos os que estão transmitindo neste momento no seu planeta... Este aparelho recebe os sinais que os nossos satélites captam e os amplifica. Aqui tem um, na Austrália, veja!

Apareciam uns seres com cabeça de polvo e um montão de olhos saltados cheios de veias vermelhas. Disparavam raios verdes contra uma multidão de aterrorizados seres humanos. Meu amigo parecia divertir-se com esse filme.

- Que barbaridade! Você não acha cômico, Pedrinho?

- Não, por quê?

- Porque esses monstros não existem. Somente nas monstruosas imaginações dos que inventam esses filmes...

Não me convenceu. Tinha estado anos vendo todo tipo de seres espaciais perversos e espantosos, impossíveis de serem apagados de uma vez.

- Mas se aqui mesmo na Terra tem iguanas, crocodilos, polvos, por que não vão existir em outros mundos?

- Ah, isso. Claro que tem, mas não constroem pistolas de raios, são como os daqui: animais. Não são inteligentes.

- Mas talvez existam mundos com seres inteligentes e malvados...

- “Inteligentes e malvados”! – Ami dava risada – Isso é como dizer bons-maus.

Eu não conseguia compreender. E esses cientistas loucos e perversos que inventam armas para destruir o mundo, contra os quais Batman e Superman lutam? Ami captou meu pensamento e explicou rindo:

- Esses não são inteligentes; são loucos.

- Bom, então é possível que exista um mundo de cientistas loucos que poderiam nos destruir...

- Além dos daqui da Terra, impossível...

- Por quê?

- Porque se são loucos, destroem-se a si mesmos primeiro. Não conseguem obter o nível científico necessário para poder abandonar seus planetas e partir para invadir outros mundos. É mais fácil construir bombas do que naves intergaláticas, e se uma civilizasão não tem bondade e alcança um alto nível científico, mais cedo ou mais tarde vai utilizar seu poder científico contra si mesma, muito antes de poder partir para outros mundos.

- Mas em algum planeta poderiam sobreviver, por casualidade...

- Casualidade? No meu idioma não existe essa palavra. Que significa casualidade?

Tive que dar vários exemplos para que ele compreendesse. Quando consegui, ele achou engraçado. Disse que tudo está relacionado, mas que nós não compreendemos a lei que une todas as coisas, ou não a queremos ver.

- É que se são tantos os milhões de mundos, como você diz, poderiam sobreviver alguns malvados sem se destruir. Eu continuava pensando na possibilidade de invasores. Ami tentou fazer-me entender:

- Imagine que muitas pessoas têm que pegar uma barra de ferro quente, uma a uma, com as mãos nuas. Qual é a possibilidade de que alguma não se queime?

- Nenhuma; todas se queimam – respondi.

- É assim mesmo, todos os malvados se autodestroem se não conseguem superar sua maldade. Ninguém escapa da lei que rege esse assunto.

- Que lei?

- Quando o nível científico de um mundo supera em muito o nível de amor, esse mundo se autodestrói...

- Nível de amor?

Podia entender com clareza o que é o nível científico de um planeta, mas não compreendia o que era o “nível de amor”.

- A coisa mais simples é, para alguns, a mais difícil de compreender... o amor é uma força, uma vibração, uma energia cujos efeitos podem ser medidos por nossos instrumentos. Se o nível de amor de um mundo é baixo, existe infelicidade coletiva, ódio, violência, separatismo, guerras e... com um nível perigosamente alto de capacidade destrutiva... compreende-me, Pedrinho?

- Em geral, não. O que você quer dizer?

- DEVO lhe dizer muitas coisas, mas vamos aos poucos. Comecemos por suas dúvidas.

Ainda não podia acreditar que não existissem monstros invasores. Contei-lhe um filme no qual “extraterrestres lagartos” dominavam muitos planetas porque estavam muito bem organizados. Ele disse:

- Sem amor não pode existir uma organização duradoura. Nesse caso é preciso obrigar, forçar. Ao final, aparece a rebeldia, a divisão e a destruição.

Capítulo 3 - Não se preocupe

- Que símbolo é esse que você usa no peito? -perguntei.

- É o emblema do meu trabalho -respondeu, enquanto apontava para cima- Sabe? aqui "pertinho", num planeta de Sírio, existem praias cor violeta... são esplêndidas. Se você visse o que é um entardecer com esses dois sóis gigantes...

- Você viaja na velocidade da luz?

Minha pergunta pareceu cômica.

- Se eu viajasse tão "devagar" teria ficado velho antes de chegar aqui.

- Com que velocidade você viaja, então?

- Em geral nós não "viajamos"; mais exatamente nos "situamos", mas de uma ponta a outra da galáxia demoraria... -pegou sua calculadora do cinto e fez umas contas- usando suas medidas de tempo... hummmm... uma hora e meia, e de uma galáxia a outra demoraria várias horas.

- Que bárbaro! Como você consegue?

- Você pode explicar para um nenem porque dois mais dois são quatro?

- Não -respondi- nem eu mesmo sei.

- Eu também não posso lhe explicar algumas coisas relacionadas com a contração e a curvatura do espaço-tempo... nem precisa... Veja como deslizam essas aves pela areia, como se patinassem... que maravilha!

Ami estava contemplando umas aves que corriam em grupo pela praia, colhendo algum alimento que as ondas depositavam na areia. Lembrei que era tarde.

- Tenho que ir embora... minha vovó...

- Ainda está dormindo.

- Estou preocupado.

- Preocupado? Que bobagem.

- Por quê?

- "Pré" significa "antes de". Eu não me "pré-ocupo"; ocupo-me.

- Não o entendi, Ami.

- Não passe a vida imaginando problemas que não aconteceram nem vão acontecer. Desfrute o presente. A vida é curta. Quando aparece um problema real, então você se "ocupa" dele. Você acharia correto que nós estivéssemos preocupados imaginando que podia aparecer uma onda gigante e nos devorar? Seria uma bobagem não desfrutar este momento, nesta noite tão linda... observe essas aves que correm sem preocupação... por que perder este momento por algo que não existe?

- Mas a minha vovó existe...

- Claro, mas não existe nenhum problema com isto... E este momento, não existe?

- Estou preocupado...

- Ah terrícola, terrícola... Está bem, vamos ver a sua vovó.

Pegou seu aparelho de televisão e começou a sintonizar. Na tela apareceu o caminho que leva até a minha casa. A "câmara" ia avançando entre as árvores e as pedras do caminho. Aparecia tudo em cores e iluminado como se fosse dia. Penetramos através de uma janela da casa, apareceu a vovó dormindo profundamente na sua cama, dava até para escutar sua respiração. Aquele aparelho era incrível!

- Dorme como um anjinho -comentou Ami, rindo.

- Não é um filme?

- Não. É "ao vivo e direto"... vamos até a copa.

A "câmara" atravessou a parede do dormitório e apareceu na copa. Ali estava a mesa, com sua toalha de quadrados grandes, e no meu lugar havia um prato coberto por outro, virado.

- Isto se parece ao meu "ovni"! -brincou Ami- Vamos ver o que você tem para jantar -mexeu alguma coisa no aparelho e o prato de cima ficou transparente como vidro. Apareceu um pedaço de carne assada, com batata frita e salada de tomate.

- Ui! -exclamou Ami, com nojo- como vocês conseguem comer cadáver...

- Cadáver?

Cadáver de vaca... vaca morta. Um pedaço de vaca morta.

- Assim como ele descrevia, eu também senti nojo.

- Como funciona esse aparelho, onde está a câmara? -perguntei, bastante intrigado.

- Não necessita câmara. Este aparelho focaliza, capta, filtra, seleciona, amplia e projeta... simples, não?

Parecia que ele estava caçoando de mim.

- Por que se vê de dia, se é de noite?

- Existem outras "luzes" que seu olho não pode ver e que este aparelho pode captar.

- Que complicado!

- Nada disso. Eu mesmo fiz este cacareco...

- Você mesmo!

- É muitíssimo antigo, mas eu sinto carinho por ele. É uma lembrança, um trabalho da escola primária...

- Vocês são uns gênios!

- Claro que não. Você sabe multiplicar?

- Claro -respondi.

- Então você é um gênio... para quem não sabe multiplicar. Tudo é uma questão de níveis. Um rádio transistorizado é um milagre para os índios das selvas.

- É verdade. Você acha que algum dia vamos poder ter aqui na Terra invenções como a sua?

Ele ficou sério pela primeira vez. Olhou-me, e seu olhar denotava certa tristeza.

- Não sei.

- Como é que você não sabe; você sabe tudo!

- Tudo não. O futuro ninguém conhece... felizmente.

- Por que você diz "felizmente"?

- Imagine, a vida não teria nenhum sentido se a gente conhecesse o futuro. Você gosta de saber de antemão o final de um filme que está vendo?

- Não. Irrita-me -respondi.

- Gosta de ouvir uma piada que já conhece?

- Também não. É chatíssimo.

- Gostaria de saber que presente você vai receber no seu aniversário?

- Isso ainda menos.

Seu modo de ensinar era ameno, com exemplos claros.

- A vida perderia todo o seu sentido se a gente conhecesse o futuro. Só podemos calcular as possibilidades.

- Como é isso?

- Por exemplo, calcular as possibilidades ou probabilidades que a Terra tem de se salvar...

- Salvar-se, salvar-se de que?

- Como de quê!... Você não ouviu falar da contaminação das guerras, das bombas?

- Ah, sim! Você quer dizer que aqui também estamos correndo perigo, como nos mundos dos malvados?

- Existem muitas possibilidades. A relação entre a ciência e o amor está terrivelmente inclinada para o lado da ciência; milhões de civilizações como esta se autodestruíram. É um ponto de mudança... perigoso.

Assustei-me. Nunca tinha pensado seriamente na possibilidade de uma terceira guerra mundial ou de uma catástrofe. Fiquei um bom tempo meditando. De repente, tive uma idéia maravilhosa:

- Façam alguma coisa!

- Alguma coisa como quê?

- Não sei... aterrizar mil naves e dizer aos presidentes que não façam a guerra... alguma coisa assim -Ami riu.

- Se fizéssemos algo assim, a primeira coisa que conseguiríamos seriam milhões de infartos cardíacos, por culpa justamente desses filmes de invasores, e nós não somos desumanos, não podemos provocar algo assim. Em segundo lugar, se disséssemos, por exemplo: transformem suas armas em instrumentos de trabalho, vocês pensariam ser uma estratégia extraterrestre para os debilitar e depois dominar o planeta. Terceiro, vamos supor que cheguem a compreender que somos inofensívos, também não abandonariam as armas.

- Por quê?

- Porque teriam medo dos outros países. Quem vai se desarmar primeiro? Nenhum.

- Mas eles devem ter confiança...

- As crianças podem ter confiança, os adultos não... e menos ainda os presidentes, e com razão, porque alguns sentem vontade de dominar tudo o que podem...

Eu estava realmente nervoso.Comecei a procurar uma solução para evitar a guerra e a possível destruição da humanidade. Pensei que os extraterrestres poderiam tomar o poder pela força na Terra, destruir as bombas e nos obrigar a viver em paz. Disse isso a ele. Quando parou de rir, afirmou que eu não conseguia deixar de ser terrícola ao pensar.

- Por quê?

- "Pela força, destruir, obrigar", tudo isso é terrícola, incivilizado, violência. A liberdade humana é algo sagrado, tanto a nossa como a alheia. "Obrigar" não existe em nossos mundos; cada pessoa é valiosa e respeitada. "Pela força e destruição" é violência, o que vem de "violar"; violar a Lei do universo...

- Então vocês não fazem a guerra? -Ainda não tinha terminado de fazer esta pergunta quando me senti estúpido por tê-la feito.

Olhou-me com carinho e colocando a mão no meu ombro, disse:

- Nós não fazemos a guerra, porque acreditamos em Deus.

Sua resposta surpreendeu-me muito. Eu também acreditava em Deus, mas ultimamente estava pensando que somente os padres do meu colégio acreditavam Nele, e também as pessoas com pouca cultura, porque tenho um tio que é físico nuclear da Universidade e ele diz que "a inteligência matou Deus".

- Seu tio‚ um tolo -afirmou Ami, depois de ler meus pensamentos.

- Não acho; ele é considerado um dos homens mais inteligentes do meu país.

- É um tolo -Ami insistia- a maçã pode matar a macieira? A onda pode matar o mar?...

- Pensei que...

- Enganou-se. Deus existe.

Fiquei pensando em Deus, um pouco arrependido por ter duvidado da sua existência.

- Ei, tira essa barba e essa túnica!

Ami ria, porque tinha visto minhas imagens mentais de Deus.

- Então... não tem barba, Deus raspa a barba?

Meu amigo espacial se divertia com minha confusão.

- Esse é um deus terrestre demais -comentou.

- Por quê?

- Porque tem a aparência de um terrestre.

O que ele estava querendo me dizer? Que os extraterrestres não têm aparência humana?

- Mas, como?... Você disse que os seres humanos de outros planetas não têm forma estranha ou monstruosa, apesar disso, você mesmo parece um terrestre...

Ami, rindo, pegou um graveto e desenhou uma figura humana na areia.

- O modelo humano é universal: cabeça, tronco e membros, mas existem pequenas variações em cada mundo: altura, cor da pele, forma das orelhas; pequenas diferenças. Sou parecido a um terrestre porque as pessoas do meu planeta são iguais às crianças da Terra, mas Deus não tem forma de homem. Venha, vamos passear.

Começamos a andar pelo caminho que vai ao povoado. Colocou seu braço no meu ombro e senti nele o irmão que nunca tive.

De longe se escutavam algumas aves noturnas a grasnar. Ami parecia deleitar-se com esses sons; inspirou o ar marítimo e disse:

- Deus não tem aparência humana -seu rosto brilhava na noite ao falar do Criador- não tem forma alguma, não é uma pessoa como você ou como eu. É um Ser infinito, pura energia criadora... puro amor...

- Ah!

Ele dizia isso de uma maneira tão bela, que conseguia que eu me emocionasse.

- Por isso, o universo é lindo e bom... É maravilhoso.

Pensei nos habitantes desses mundos primitivos que ele tinha mencionado, e também nas pessoas malvadas deste mesmo planeta.

- E os maus?

- Eles chegarão a ser bons algum dia...

- Era melhor se eles tivessem nascido bons logo do começo, assim não haveria nada ruim em nenhum lugar.

- Se não se conhecesse o mal, como se poderia desfrutar o bem, como se poderia dar-lhe valor? -perguntou Ami.

- Não entendo direito.

- Você não acha maravilhoso poder olhar, ver?

- Não sei. Nunca tinha pensado nisso... acho que sim.

- Se você tivesse nascido cego e de repente adquirisse a visão, então você acharia maravilhoso poder ver...

- Ah, sim!

- Aqueles que viveram existências difíceis, violentas, quando conseguem atingir uma vida mais humana a valorizam como ninguém... Se nunca existisse noite, não poderíamos desfrutar o amanhecer...

- Íamos caminhando pela ruazinha iluminada pela lua e ladeada de árvores. Passamos pela frente da minha casa, entrei silenciosamente para pegar um suéter e voltei ao lado de Ami. Continuamos caminhando e conversando. Ele contemplava tudo enquanto falava. Ainda não apareciam as primeiras ruas do povoado nem as luzes dos postes da cidadezinha.

- Você percebe o que está fazendo? -perguntou-me de surpresa.

- Não... o quê?

- Você está caminhando, você pode caminhar...

- Ah, sim; claro... o que tem isso de extraordinário?

- Existem pessoas que ficaram paralíticas, e depois de meses ou anos de exercícios conseguiram voltar a caminhar; para elas sim, é extraordinário poder caminhar, agradecem e desfrutam isso; no entanto, você caminha sem perceber, sem encontrar nada de especial nisso...

- Tem razão, Ami. Você me diz muitas coisas novas...

Capítulo 4 - A polícia!

Chegamos até a primeira rua iluminada pelos postes de luz. Deviam ser onze e meia da noite. Parecia uma aventura andar sem minha vovó, tão tarde pelo povoado, mas eu me sentia protegido ao lado de Ami.

Enquanto caminhávamos, ele se detinha para olhar a lua entre as folhas dos eucaliptos, às vezes me dizia que ficássemos a ouvir o coaxar das rãs, o canto dos grilos noturnos, o longínquo ruído das ondas. Detinha-se a respirar o aroma dos pinheiros, do córtex das árvores, da terra, a observar uma casa que ele achava bonita, uma rua ou um cantinho em uma esquina.

- Veja que lindos esses candeeiros... parecem um quadro... observe como cai a luz sobre essa trepadeira... e essas anteninhas recortadas contra as estrelas... A vida não tem outro propósito que o de se desfrutá-la de uma maneira sã, Pedrinho.

Procure colocar sua atenção em tudo o que a vida lhe proporciona... A maravilha está em cada instante... Tente sentir, perceber, em lugar de pensar. O sentido profundo da vida está além do pensamento... Sabe, Pedrinho, a vida é um conto de fadas feito realidade... é um dom maravilhoso que Deus lhe brinda... porque Deus o ama...

Suas palavras me faziam ver as coisas de um novo ponto de vista. Parecia-me incrível que esse mundo fosse o habitual, o de todos os dias, ao qual eu jamais prestava atenção... agora percebia que vivia no Paraíso, sem nunca ter percebido antes...

Caminhando chegamos até a praça do balneário. Alguns jovens estavam na porta de uma discoteca, outros conversavam no centro da praça. O lugar estava tranquilo, especialmente agora que a temporada estava no fim.

Ninguém prestava atenção em nós, apesar da roupa de Ami; talvez pensassem que era uma simples fantasia...

Imaginei o que aconteceria se soubessem que espécie de menino estava passeando por aquela praça; eles nos rodeariam, viriam os jornalistas e a televisão...

- Não, obrigado -disse Ami, lendo meu pensamento- não quero que me crucifiquem...

Não compreendi o que ele quis dizer.

- Em primeiro lugar, não acreditariam; mas se por fim o fizessem, me levariam preso por ter ingressado "ilegalmente" no país. Depois pensariam que eu sou um espião e me torturariam para obter informação... E aí, os médicos iam querer ver o meu corpinho por dentro... -Ami ria enquanto relatava possibilidades tão negras.

Sentamo-nos num barco, num lugar um pouco afastado. Pensei que os extraterrestres deveriam ir se mostrando aos poucos, para que as pessoas fossem se acostumando a eles, para depois, um dia, apresentar-se abertamente.

- É mais ou menos o que estamos fazendo, mas mostrar-nos abertamente... já lhe dei três razões pelas quais é inútil fazer isso. Agora vou lhe dar mais uma, a principal: está proibido pelas leis.

- Por quais leis?

- As leis universais. Em seu mundo existem leis, não é? Nos mundos civilizados também existem normas gerais que todos devem respeitar; uma delas é não interfirir no desenvolvimento evolutivo dos mundos incivilizados.

- Incivilizados?

- Chamamos incivilizados aos mundos que não respeitam os três requisitos básicos...

- Quais são?

- Os três requisitos básicos que um mundo deve respeitar para ser considerado civilizado são: primeiro, conhecer a Lei fundamental do universo; uma vez que se conhece e se pratica essa Lei, é muito fácil cumprir os outros dois. Segundo, constituir uma unidade: devem ter um só Governo Mundial. Terceiro, devem organizar-se de acordo com a Lei fundamental do universo.

- Não entendo muito. Qual é essa lei do fundamento... de quê?

- Você vê? Você não a conhece -caçoava de mim-, você não é civilizado.

- Mas eu sou uma criança... Acho que os adultos sim a conhecem, os cientístas, os presidentes...

Ami riu com vontade.

- Adultos... cientístas... presidentes! Esses menos que ninguém, salvo raras exceções.

- Qual é essa lei?

- Vou lhe dizer mais adiante.

- De verdade? -fiquei entusiasmado ao pensar que ia conhecer algo que quase ninguém sabia.

- Se você se comportar direitinho -brincou.

Comecei a meditar essa proibição de interferir nos planetas incivilizados.

- Então você está violando essa lei! -expressei com surpresa.

- Bravo! Você não passou por alto esse detalhe.

- Claro que não. Primeiro você diz que é proibído interferir; apesar disso você está falando comigo...

- Isto não é interferência no desenvolvimento evolutivo da Terra. Mostrar-se abertamente, comunicar-se massivamente sim, seria. Isto é parte de um "plano de ajuda".

- Explique melhor, por favor.

- É um tema complicado. Não posso lhe explicar tudo, porque você não entenderia. Talvez o faça mais adiante; por enquanto só vou lhe dizer que o "plano de ajuda" ‚ uma espécie de "remédio", que devemos ir dando em forma dosificada, suave, sutilmente...bem sutilmente...

- Qual é esse remédio?

- Informação.

- Informação? Que informação?

- Bem, depois da bomba atômica começaram os avistamentos de nossas naves. Fizemos isso para que vocês começassem a ter evidências de que não são os únicos seres inteligentes do universo; isso é informação. Depois fomos aumentando a frequencia desses avistamentos, isso é mais informação. Depois vamos deixar que nos filmem. Ao mesmo tempo, estabelecemos pequenos contatos com algumas pessoas, como você, e também enviamos "mensagens" em frequências mentais. Essas "mensagens" estão no ar, como as ondas de rádio, chegam a todas as pessoas; algumas têm os "receptores" adequados para captá-las, outras não. Os que as recebem podem pensar que são suas próprias idéias; outros que‚ uma inspiração divina; e ainda outros, que são enviados por nós. Alguns expressão essas "mensagens" bastante distorcidas por suas próprias idéias ou crenças; mas existem aqueles que as expressam quase puras.

- E depois, vão aparecer na frente de todo mundo?

- Se vocês não se autodestruírem, e sempre que sejam respeitados os três requisitos básicos. Não pode ser antes.

- Acho que é egoísmo que vocês não intervenham para evitar a destruição -disse, um pouco aborrecido.

Ami sorriu e olhou para as estrelas.

- Nosso respeito pela liberdade alheia implica deixá-los alcançar o destino que merecem. A evolução‚ uma coisa muito delicada, não se pode interfirir, só podemos "sugerir" coisas, muito sutilmente, e através de pessoas "especiais", como você...

- Como eu? Que tenho eu de especial?

- Talvez eu lhe diga mais adiante, por enquanto você só precisa saber que tem certa "condição", e não necessariamente "qualidade"... Devo ir-me rápido, Pedrinho. Você gostaria de me ver de novo?

- Claro que sim, cheguei a estimá-lo neste curto tempo.

- Eu também a você, mas se você quer que eu volte, vai ter que escrever um livro relatando o que viveu ao meu lado; para isso foi que eu vim, é parte do "plano de ajuda".

- Que eu escreva um livro? Mas eu não sei escrever livros!

Faça como se fosse um conto infantil, uma fantasia... se não, vão pensar que você é um mentiroso ou louco; além disso, escreva para as crianças. Peça ajuda a esse primo seu, que gosta de escrever. Você relata e ele escreve.

Ami parecia saber mais de mim, do que eu mesmo...

- Esse livro vai ser informação também. Mais do que fazemos, não nos é permitido. Você gostaria que não existisse a menor possibilidade de que uma civilização de malvados venha invadir a Terra?

- Sim.

- Está vendo? Mas se vocês não deixam de lado a sua maldade e nós os ajudamos a sobreviver, rapidamente estariam tentando dominar, explorar e conquistar outras civilizações do espaço... mas o universo civilizado é um lugar de paz e de amor, de confraternização. Além disso, existem outras qualidades de energias muito poderosas. A energia atômica ao lado delas é como um fósforo ao lado do sol... Não podemos correr o risco de que uma espécie violenta chegue a controlar essa energia e colocar em perigo a paz dos mundos evoluídos, e, muito menos, que chegue a produzir um descalabro cósmico.

- Estou realmente nervoso, Ami.

- Pelo perigo de um descalabro cósmico?

- Não. Porque penso que já é muito tarde...

- Tarde para salvar a humanidade, Pedrinho?

- Não. Para me deitar.

Ami se dobrava de tanto rir.

- Calma, Pedrinho. Vamos ver a sua vovó.

Pegou a pequena televisão da fivela do seu cinto. Apareceu minha vovó dormindo com a boca entreaberta.

- Desfruta realmente o sono -brincou.

- Estou cansado. Gostaria de dormir, eu também.

- Bem, vamos.

Caminhávamos para minha casa quando encontramos um veículo policial. Os agentes, vendo dois meninos sozinhos a essas horas da noite, pararam o automóvel, desceram e vieram até nós. Fiquei com medo.

- Que vocês estão fazendo a estas horas por aqui?

- Caminhando, desfrutando a vida -respondeu Ami muito tranquilo- E vocês? Trabalhando? Caçando malandros? -E riu como sempre. Assustei-me ainda mais do que já estava, quando vi a liberdade que Ami estava tomando com a polícia; apesar disso eles também acharam engraçada a atitude de meu amigo, riram com ele. Tentei rir também, mas por causa do meu nervosismo não consegui.

- De onde você tirou essa roupa?

- De meu planeta -respondeu com total ousadia.

- Ah, você ‚ um marciano.

- Marciano, exatamente, não; mas sou extraterrestre.

Ami respondia com alegria e despreocupação, em troca eu estava cada vez mais nervoso.

- Onde está o seu "ovni"? -Perguntou um deles observando Ami, com ar paternal. Pensava que era uma brincadeira de crianças; apesar disso, ele só dizia toda a verdade.

- Ele está estacionado na praia, debaixo do mar. Não é verdade, Pedrinho?

Eu não sabia o que fazer. Tentei sorrir e só consegui fazer uma careta bastante idiota, não me atrevi a dizer a verdade.

- E você não tem uma pistola de raios? -Os guardas se divertiam com o diálogo. Ami também, mas eu estava cada vez mais confuso e preocupado.

- Não preciso. Nós não atacamos ninguém. Somos bons.

- E se aparecer um malvado com um revólver como esse? -ele mostrou a arma fingindo ser ameaçador.

- Se vai me atacar, eu o paraliso com a minha força mental.

- Deixe eu ver. Paralise-nos!

- Ótimo. O efeito vai durar dez minutos.

Os três riam muito divertidos mesmo. De repente, Ami ficou quieto, sério e olhou fixo para eles. Com uma vóz muito estranha e autoritária lhes ordenou:

- Fiquem imóveis durante dez minutos. Não podem, NÃO PODEM MOVER-SE... já -E eles ficaram paralisados com um sorriso, na posição em que estavam.

- Você vê, Pedrinho? Assim você tem que dizer a verdade, como se fosse uma brincadeira ou uma fantasia -explicou-me, enquanto tocava o nariz ou puxava suavemente os bigodes dos guardas petrificados com um sorriso, que começava a me parecer trágico, por causa das circunstâncias. Tudo aumentava meu medo.

- Vamos fugir daqui, bem longe, eles podem acordar -expressei, tentando não falar muito alto.

- Não precisa se preocupar, ainda tem tempo para que se completem os dez minutos -e começou a mexer em seus bonés. Eu só queria era estar bem longe dali.

- Vamos, vamos!

- Já está pre-ocupado de novo, em vez de desfrutar o momento... está bem, vamos -disse resignado. Aproximou-se aos sorridentes guardas e com a mesma voz anterio lhes ordenou:

- Quando acordarem, terão esquecido para sempre esses dois meninos.

Quando chegamos á primeira esquina dobramos para o lado da praia e nos afastamos do lugar. Senti-me mais tranquilo.

- Como você fez isso?

- Hipnose, qualquer um pode.

- Eu acho que não se pode hipnotizar qualquer pessoa. Eles podiam ter sido uma dessas.

- Todas as pessoas podem ser hipnotizadas -disse Ami- além disso, todas estão hipnotizadas.

- O que você quer dizer?... Eu não estou hipnotizado... estou acordado.

Ami riu muito da minha afirmação.

- Você se lembra quando vínhamos pelo caminho?

- Sim, lembro-me.

- Ali tudo lhe pareceu diferente, tudo lhe pareceu lindo, não é verdade...?

- Ah, sim... parece que era como se eu estivesse hipnotizado... Talvez você tenha me hipnotizado!

- Estava acordado! Agora está adormecido, pensando que a vida não tem nenhuma maravilha, que tudo é perigoso. Você está hipnotizado, não escuta o mar, não percebe os aromas da noite, não toma consciência de seu caminhar nem de sua vista, não desfruta sua respiração. Você está hipnotizado com hipnose negativa, está como essas pessoas que pensam que a guerra tem algum sentido "glorioso", como os que supõem que quem não compartilha sua própria hipnose é seu inimigo, todos estão hipnotizados, adormecidos. Cada vez que alguém começa a sentir que a vida ou um monemto são lindos, então este alguém está começando a acordar. Uma pessoa desperta sabe que a vida é um paraíso maravilhoso e o desfruta instante a instante... mas não vamos pedir tanto a um mundo incivilizado... Imagine que tem pessoas que se suicidam... já pensou que loucura? Suicidam-se!

- Pensando assim, como você diz, tem razão... Como foi que esses guardas não se zangaram com as suas brincadeiras?

- Porque eu toquei o seu lado bom, infantil.

- Mas eles são policiais!

Olhou-me, como se eu acabasse de dizer uma estupidez.

- Veja, Pedrinho, todas as pessoas têm um lado bom, um lado infantil. Quase ninguém é completamente mau. Se você quiser, vamos a uma prisão e procuramos o pior criminoso.

- Não, obrigado.

- Em geral, as pessoas não são mais bondosas do que malvadas, inclusive neste planeta. Todos pensam que estão fazendo um bem com o que fazem. Alguns se enganam, mas não é maldade, é erro. É certo que quando estão adormecidos ficam sérios e até perigosos, mas se você os toca pelo lado bom, eles vão lhe devolver o que há de bom neles; se você os toca pelo lado negativo, eles vão lhe devolver o que há de negativo neles; apesar disso, todo mundo gosta de brincar de vez em quando.

- Então por que neste mundo existe mais infelicidade do que felicidade?

- Não é que as pessoas sejam malvadas, são os sistemas que utilizam para se organizar que são velhos. As pessoas evoluíram, os sistemas ficaram atrasados. Sistemas ruins fazem as pessoas sofrer, vão fazendo as pessoas ficar infelizes, e no final as levam a cometer erros. Mas um bom sistema de organização mundial é capaz de transformar os maus em bons.

Não compreendi muito bem suas explicações.


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